Quando eu decidi morar um tempo na Europa, minhas grandes motivações estavam centradas nas esferas profissional, pessoal e cultural.
O post do dia 13 de setembro fala um pouco sobre essas motivações. Contudo, esses primeiros meses aqui têm me feito ter certeza que meu aprendizado e crescimento na Noruega estão relacionados também a outra dimensão: meu aprimoramento espiritual.
Apesar de ter sido batizada e ter feito primeira comunhão, não posso dizer que tive uma criação católica de fato. Acho que esses momentos foram muito mais frutos de um ato social e religioso comum no Brasil do que devido à crença religiosa dos meus pais. Na realidade, via meus pais exercendo a fé e alguns princípios do Cristianismo de uma maneira prática e diária, mas não como adeptos de nenhuma igreja. Em torno dos 15 anos, eu acho, eu comecei a frequentar centro espírita com meu pai, que se tornou pra mim um grande incentivador da leitura das obras de Allan Kardec e de Chico Xavier. Me identifiquei com a Doutrina e, principalmente quando morei em Minas Gerais, passei a frequentar o centro com uma certa assiduidade. Embora sem ter me dedicado com afinco ao estudo da Doutrina, acho que foi em Minas que passei a me denominar uma espírita.
Voltando pra Recife, e começando a faculdade de Psicologia, me afastei bastante do Espiritismo. Acho que quem é ou foi estudante de Psicologia entende um pouco o que isso significa. A vida acadêmica tende a colocar as pessoas em constante questionamento a respeito da fé, uma vez que, historicamente e socialmente, conhecimento científico e religião foram concebidos como domínios opostos e incompatíveis. Um parêntese aqui, embora a maioria defina o Espiritismo como uma religião, ele pertence muito mais ao âmbito de uma Doutrina ou de uma Filosofia. Segundo o próprio Kardec, se você entende religião como a prática da fé, o Espiritismo pode ser considerado como religião, mas se esta é definida por ritos e normas, o Espiritismo não pode ser enquadrado como tal. É nesse sentido que os centros espíritas não funcionam baseado em ritos mas em estudos que visam a compreensão do mundo espírita e da prática cristã em nossas atividades diárias.
Bom, mas deixa eu voltar ao momento do meu afastamento do Espiritismo. No caso da Psicologia em específico, uma vez que estudamos as diferentes facetas do comportamento humano, inclusive o papel da religião na constituição de nossa identidade, muitas vezes somos colocados diante de novas explicações outrora encontradas apenas no conhecimento religioso. Para mim, essa experiência acarretou um afastamento da minha fé e um foco extremamente forte na dita lógica científica. Avaliando hoje, acho que esse afastamento teve muitos pontos positivos. Acho que consegui me abrir mais para a lógica construída pela psicologia, consegui enxergar certas coisas até então pouco compreensíveis e construí um bom senso crítico diante de coisas que costumava aceitar sem muita reflexão. O fato é que terminei o curso com a sensação de que ciência e fé eram coisas realmente inconciliáveis.
Não sei precisar quando eu comecei a rever essa ideia de incompatibilidade entre os dois domínios, mas gostaria de enfatizar como a Noruega vem contribuindo para eu reencontrar minha fé e, principalmente, para eu entender que ser psicóloga e espírita não são coisas contraditórias. É engraçado eu começar a ter mais clareza disso aqui na Noruega, um país de tradição pouco religiosa e onde a maioria não sabe nem o que é o Espiritismo. Muitos nunca ouviram nem falar.
Uma pesquisa realizada em 2006 indica que quase 70% dos noruegueses são ateus. Entre aqueles que possuem alguma fé ou crença religiosa, a maioria é Protestante, embora muitos não frequentem com assiduidade as igrejas. O site do
Consulado da Noruega no Brasil fala um pouco mais sobre a religião no país. O fato é que, seguindo a cultura local, eu tinha tudo para me afastar ainda mais do espiritismo. O que contribuiu então para o caminho inverso?
Acho que em primeiro lugar, e talvez contraditoriamente, a própria cultura norueguesa ajudou bastante. Digo isso porque aqui o ritmo de trabalho é mais tranquilo e as pessoas procuram ter um maior equilíbrio entre a vida profissional e a vida pessoal (preciso fazer um post sobre isso também). Tentando entrar nesse estilo de vida norueguês, eu comecei a construir uma rotina em que eu tivesse, literalmente, mais tempo para mim, minhas leituras, meu crescimento pessoal. Se um dos motivos das pessoas não fazerem isso é a falta de tempo, aqui eu não tinha muito essa desculpa.
O segundo ponto foi que a mudança em si tende a dar um nó na cabeça da gente, faz a gente questionar um tanto de coisa, e aquela velha pergunta "o que danado eu tô fazendo aqui?" não parava de apitar em meus pensamentos. Acho que a mudança de país, de cultura, de estilo de vida impulsionam também uma mudança mais interior. Eu poderia ter feito essa mudança recorrendo a vários recursos diferentes, e eu não sei explicar exatamente porque, mas eu resolvi procurar um centro espírita. Decisão quase fadada ao fracasso dada a alta probabilidade de eu não encontrar um centro em Oslo.
Mas eis que acontecem aqueles fatos e aqueles encontros que mudam toda a história. Em conversa com um amigo brasileiro, que eu não sabia que era espírita, comentei, assim como quem não quer nada (e talvez nem quisesse mesmo), que eu queria encontrar um centro espírita em Oslo. "Poderia ser inglês", eu disse. A resposta que ouvi do meu amigo Leandro foi: "serve um brasileiro? Reunião quarta-feira. Bora?". Se não existia a falta de tempo e a suposta dificuldade de achar um centro aqui na Noruega estava resolvida, parecia que era a hora mesmo de tentar de novo.
"Achei um Centro Espírita, painho". Foi a notícia que dei àquele que, como bom espírita, assistiu meu afastamento da doutrina sem me julgar ou me "converter", respeitando meu livre arbítrio. Hoje, escrevendo esse texto, eu tenho dúvida se eu achei de fato o
GEEAK-Norge ou se eles me acharam. Estou me lembrando aqui que eu não procurei nada na internet, mas num comentário de mesa de bar, ele surgiu. Mas a decisão foi minha de aceitar o convite e ir ao seu encontro.
O GEEAK, Grupo de Estudos Espíritas Allan Kardec, foi fundado em Oslo por brasileiros em 1993, numa época em que a imigração brasileira aqui era quase nula. Com a chegada de mais brasileiros o grupo foi crescendo, e hoje seu maior desafio é oferecer seus serviços na língua norueguesa para que a população local possa ter mais informações a respeito do espiritismo.
O GEEAK tem sido uma família pra mim. Uma família grande, iluminada, enriquecedora. Como o grupo é pequeno, seu funcionamento ocorre predominantemente com base em grupos de estudo, um formato que me agrada mais do que as reuniões em estilo palestra, pois permite uma maior dinamicidade e, consequentemente, um maior aprendizado. Atualmente, estou trabalhando na casa como uma das facilitadoras do grupo de estudo sobre o Livro dos Espíritos. Ontem, por exemplo, ocorreu o primeiro Encontro de Grupos Espíritas da Noruega e foi um momento importante onde pudemos discutir um pouco sobre o Espiritismo na Noruega e os desafios dos grupos espíritas nos países nórdicos.
Em outro post, escrevo mais sobre como é o Espiritismo na Escandinávia. Mas, qual o objetivo desse post mesmo? Primeiro é bom dizer o que ele não é: não é a procura de dizer que o Espiritismo está acima de qualquer outra crença nem instigar um debate religioso sobre a existência ou não de Deus. O post é mais a consequência de umas reflexões que tenho feito bastante nos últimos dias, em especial depois do Encontro de ontem: minhas razões em morar na Noruega estão muito mais além do que eu imaginava. Não bastasse tanto crescimento cultural, pessoal e profissional, estou tendo a oportunidade de viver uma excelente experiência de aprimoramento espiritual que merece ser compartilhada e agradecida. Além disso, como fonte de informação, fica a dica da existência de um Grupo Espírita em Oslo para os interessados em conhecer mais e/ou participar das atividades. Afinal, é o livro arbítrio que nos conduz a certas escolhas e nos responsabiliza por elas. Eu fiz a minha e o GEEAK a acolheu. Que a gente possa crescer juntos com todas as responsabilidades que isso envolve.
Ps: painho, obrigada por ser um exemplo da boa prática espírita e, principalmente, obrigada por respeitar meu afastamento, foi a melhor forma de me trazer de volta ao espiritismo.
"Sem o livre arbítrio há fatalidade, e com a fatalidade não existiria a co-responsabilidade" (Allan Kardec, O Céu e o Inferno)