O título do blog é bastante pertinente para o assunto desse post. Tem melhor exemplo de travessias e travessuras do que as crianças? No Brasil, dia 12 de outubro é o dia delas, e eu gostaria de trazer minha opinião e fazer algumas reflexões a respeito desse dia. E é inevitável temperar essa discussão com uma pitada de psicologia e da minha atual experiência cultural.
Ler, falar sobre e lidar com crianças e com suas famílias são ações que têm feito parte da minha vida pelo menos nos últimos 5 anos, quando eu decidi trabalhar com desenvolvimento infantil, seja com pesquisa ou com a prática da psicologia na escola. O universo infantil me fascina sob vários aspectos, mas principalmente pela ludicidade e espontaneidade tão característica da criança. Exatamente por isso, me interesso também em refletir sobre como a escola e a sociedade lidam (ajudando ou tolhendo) com o brincar, a imaginação e a criatividade infantil. Acredito que a forma como concebemos a infância e o ideal de sociedade que queremos construir são alguns dos pilares fundamentais que norteiam (implícita ou explicitamente) a educação de base, seja ela a educação familiar, escolar, cultural (que inclui, entre outras coisas, valores e informações via recursos de comunicação de massa). Por tudo isso, acho que hoje, no dia das crianças, a pergunta que mais me vem à cabeça é: que valores e ideais estamos passando para nossas crianças? E essa pergunta não diz respeito apenas à ideia clichê e futurista sobre o que estamos fazendo com o futuro de nosso país. As crianças, embora passando por fortes mudanças desenvolvimentais, não são um vir-a-ser, um adulto em miniatura, elas são seres com capacidades, motivações, pensamentos e emoções atuais. Por isso, a pergunta não é prospectiva, ela é atual: o que estamos fazendo com as crianças hoje e que consequências nossas atitudes têm para suas vidas?
Um ponto inevitável nessa discussão é o consumo. Embora não venha sendo esse meu tema de pesquisa, o assunto vem ganhando espaço em áreas como a psicologia, a comunicação e o direito. O que mais me preocupa no dia das crianças é que, como a maioria das datas comemorativas no Brasil, elas passam sem uma reflexão. O dia da criança, como o dia dos namorados, o dia dos pais, o dia das mães, virou mais um dia comercial e de consumo em nosso calendário. Nossa preocupação central é comprar um presente. Pra mim, não existe problema em dar um presente em datas comemorativas. O problema é que o presente deixou de ser um símbolo, de ter um significado afetivo, para se restringir ao concreto, ao real do presente. E quantos mais Reais ele valer, mas Real é seu valor. E parece que quanto mais real, menos simbólico e afetivo ele fica. O presente representa o que mesmo?
Se o lado afetivo é tantas vezes esquecido, o simbolismo e o imperativo do consumo salta aos olhos, aos ouvidso e ao bolso. Bombardeio de propagandas direcionadas ao público infantil, shoppings lotados: compras, compras, compras. Para comemorar o que mesmo? Ah, um parêntese, claro que isso diz respeito à classe média. Enquanto uns fazem compras, outros tentam dar uma desculpa pra seus filhos (muitas vezes cheios de culpa) por não terem dinheiro para comprar o brinquedo da moda. Será que essas crianças não tem o que comemorar? Nessa lógica consumista, que reduziu o dia da criança ao presente real, boa parte das crianças brasileiras não teria muito motivo pra comemoração.
Por sinal, essa foi a informação que achei no wikipedia a respeito do dia das crianças:
"O dia 12 de outubro foi oficializado como Dia da Criança pelo presidente Arthur Bernardes, por meio do decreto nº 4867, de 5 de novembro de 1924. Mas somente em 1960, quando a Fábrica de Brinquedos Estrela fez uma promoção conjunta com a Johnson & Johnson para lançar a "Semana do Bebê Robusto" e aumentar suas vendas, é que a data passou a ser comemorada. A estratégia deu certo, pois desde então o dia das Crianças é comemorado com muitos presentes. Logo depois, outras empresas decidiram criar a Semana da Criança, para aumentar as vendas. No ano seguinte, os fabricantes de brinquedos decidiram escolher um único dia para a promoção e fizeram ressurgir o antigo decreto. A partir daí, o dia 12 de outubro se tornou uma data importante para o sector de brinquedos no Brasil".
Acho que a pergunta "o que comemoramos no dia das crianças?" está respondida: estratégia, vendas, setor de brinquedos. Quem comemora mesmo é o comércio.
Descobri que aqui na Noruega não existe dia das crianças. Quando eu perguntei para minha amiga Norueguesa, Marlene, a respeito disso, ela questionou curiosa: "como vocês comemoram esse dia?". Para mim, é triste dar essa resposta, mas a resposta mais coerente, pelo menos considerando a maioria dos brasileiros, é: elas ganham presentes. Por um lado é possível pensar na ideia da afetividade da cultura brasileira. Mas pensando que esse presente é muito mais material do que o símbolo de uma troca afetiva, e considerando como o dia da criança se originou, tenho uma tendência a achar que a ausência de um dia das crianças aqui na Noruega tem mais a ver com a lógica de uma cultura muito menos capitalista e consumista.
Onde eu quero chegar com todo esse discurso? Que, na minha opinião, o problema maior não é existir um dia das crianças. O problema central é em que transformamos esse dia. Se é dia da criança, que tal olharmos para suas necessidades e motivações? Acho que, dessa forma, o dia da criança seria mais simples, mais justo, mais afetivo, mais lúdico. A ludicidade não está na compra do brinquedo, mas na motivação para o brincar e na nossa disposição em sermos parceiros de nossas crianças. Se a nossa cultura instituiu um Dia da Criança, que possamos vivênciá-lo com um posicionamento mais crítico.
Minha amiga Mari Martins sugeriu que os pais pudessem levar seus filhos pra doar brinquedos: o valor do dar e doar acima do valor do comprar/receber. Achei a ideia ótima. Acrescento que os pais e a escola também podem olhar para o 12 de outubro como um dia de fato voltado às crianças e não ao mercado. E dessa forma, construir brinquedos é muito mais infantil e lúdico do que comprá-los, além de ser ecologicamente correto. Que tal juntar sucatas e construir brinquedos e jogos junto com as crianças que você conhece? Minha experiência de pesquisa tem mostrado que, independente da classe social, a motivação e a competência da criança pra imaginar, criar e cooperar é muito mais valiosa do que qualquer presente. Por que não comemorar o dia delas pensando de fato nelas: com mais criatividade, imaginação, interação e afeto? Assim, qualquer um, de qualquer classe social, raça, gênero, religião pode comemorar o dia das crianças. E que ele seja não só um, mas 365 dias de emocionantes travessias e lindas travessuras...
Deixo aqui minha homenagem e minha saudade à criança mais importante da minha vida: minha sobrinha e afilhada Giovana. Que a gente ainda tenha muitos momentos de ludicidade juntas. Esse é meu presente pra você!
Por sinal, essa foi a informação que achei no wikipedia a respeito do dia das crianças:
"O dia 12 de outubro foi oficializado como Dia da Criança pelo presidente Arthur Bernardes, por meio do decreto nº 4867, de 5 de novembro de 1924. Mas somente em 1960, quando a Fábrica de Brinquedos Estrela fez uma promoção conjunta com a Johnson & Johnson para lançar a "Semana do Bebê Robusto" e aumentar suas vendas, é que a data passou a ser comemorada. A estratégia deu certo, pois desde então o dia das Crianças é comemorado com muitos presentes. Logo depois, outras empresas decidiram criar a Semana da Criança, para aumentar as vendas. No ano seguinte, os fabricantes de brinquedos decidiram escolher um único dia para a promoção e fizeram ressurgir o antigo decreto. A partir daí, o dia 12 de outubro se tornou uma data importante para o sector de brinquedos no Brasil".
Acho que a pergunta "o que comemoramos no dia das crianças?" está respondida: estratégia, vendas, setor de brinquedos. Quem comemora mesmo é o comércio.
Descobri que aqui na Noruega não existe dia das crianças. Quando eu perguntei para minha amiga Norueguesa, Marlene, a respeito disso, ela questionou curiosa: "como vocês comemoram esse dia?". Para mim, é triste dar essa resposta, mas a resposta mais coerente, pelo menos considerando a maioria dos brasileiros, é: elas ganham presentes. Por um lado é possível pensar na ideia da afetividade da cultura brasileira. Mas pensando que esse presente é muito mais material do que o símbolo de uma troca afetiva, e considerando como o dia da criança se originou, tenho uma tendência a achar que a ausência de um dia das crianças aqui na Noruega tem mais a ver com a lógica de uma cultura muito menos capitalista e consumista.
Onde eu quero chegar com todo esse discurso? Que, na minha opinião, o problema maior não é existir um dia das crianças. O problema central é em que transformamos esse dia. Se é dia da criança, que tal olharmos para suas necessidades e motivações? Acho que, dessa forma, o dia da criança seria mais simples, mais justo, mais afetivo, mais lúdico. A ludicidade não está na compra do brinquedo, mas na motivação para o brincar e na nossa disposição em sermos parceiros de nossas crianças. Se a nossa cultura instituiu um Dia da Criança, que possamos vivênciá-lo com um posicionamento mais crítico.
Minha amiga Mari Martins sugeriu que os pais pudessem levar seus filhos pra doar brinquedos: o valor do dar e doar acima do valor do comprar/receber. Achei a ideia ótima. Acrescento que os pais e a escola também podem olhar para o 12 de outubro como um dia de fato voltado às crianças e não ao mercado. E dessa forma, construir brinquedos é muito mais infantil e lúdico do que comprá-los, além de ser ecologicamente correto. Que tal juntar sucatas e construir brinquedos e jogos junto com as crianças que você conhece? Minha experiência de pesquisa tem mostrado que, independente da classe social, a motivação e a competência da criança pra imaginar, criar e cooperar é muito mais valiosa do que qualquer presente. Por que não comemorar o dia delas pensando de fato nelas: com mais criatividade, imaginação, interação e afeto? Assim, qualquer um, de qualquer classe social, raça, gênero, religião pode comemorar o dia das crianças. E que ele seja não só um, mas 365 dias de emocionantes travessias e lindas travessuras...
Deixo aqui minha homenagem e minha saudade à criança mais importante da minha vida: minha sobrinha e afilhada Giovana. Que a gente ainda tenha muitos momentos de ludicidade juntas. Esse é meu presente pra você!
Karine, que lindo!!! Gostei muito, mas muito mesmo desse texto. Vou colocar no mundo!!! Parabéns.
ReplyDeleteQue lindo!!!! gostei demais, ainda bem que Giovana tem uma madrinha como vc. tenho orgulho demais. te amo.
ReplyDeletebeijos, taty e Gio
Karine,
ReplyDeleteparabéns pelo texto, extraórdinário! É importante que coloquemos esse texto no mundo,como diz Mariana Martins, que por sinal é minha filha. Parabénssssssss!
Adorei Karina! Parabéns! pelo texto. bjs
ReplyDeleteFlor... que texto gostoso... quanta sensibilidade ao falar de criança, leveza, distorções na concepção de carinho e elogio da arte de educar e transmitir\construir valores... xero grande... saudade de tu!
ReplyDeleteClap! Clap! Clap!
ReplyDeleteParabéns Karine.
Seu texto ficou fantástico. Obrigada por mais essa reflexão.
Abraços de suas admiradoras
Cintia e Bia
Amiga, texto adorável!
ReplyDeleteQue a nossa luta se faça ecoar...
Como Mariana,vou colocá-lo no mundo.
E agora é brincar de viver as travessias e travessuras cotidianas.
ps. Tathy: um beijão gostoso na minha amiga Gio!
Juliana Lucena
Karine, vim parar aqui por indicação da Cíntia Anira e adorei, vc disse exatamente o que eu penso. E sabia que nos EUA também não há dia das crianças? Não é por falta de consumismo, mas eles não têm.
ReplyDeleteBeijos
Obrigada a todos pelos elogios ao texto. Ele realmente foi feito com bastante empolgação. Mari, Arluce e Ju, podem colocar o texto no mundo. Precisamos usar a tecnologia para compartilhar reflexões, não é? Paloma, obrigada pelo comentário. Eu imaginava que nos EUA tivesse, é interessante conhecer essas diferentes realidades culturais, não é? Cintia, Fabíola e Catia, obrigada pelos elogios. E voltem sempre ao blog. Taty, eu que sou sortuda de ser madrinha dessa menina linda e cheia de vida! Beijos!
ReplyDeleteImportante texto!!! Acho que estou ficando antiga... no meu tempo (rsrsrs) o dia era comemorado sem presentes. Uma lembranca que tenho é de uma festa no Aterro do Flamengo, com atividades para as criancas e muita brincadeira! Um dia que passei com uma amiga e minha familia ;-) Bjs, Sânia
ReplyDeleteObrigada, Sânia! Pois é, é esse resgate da afetividade no dia da crianca que precisa ser enfatizado. Pode ser até com os brinquedos da nova geracão, mas que isso não fique restrito ao mero ato de comprar um presente. Bom ter você aqui pelo blog :) Beijos!
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