Sunday, October 23, 2011

Das travessuras em Estocolmo

O post de hoje é pra falar de uma travessia misturada com muitas travessuras: nosso final de semana em Estocolmo. Na realidade, a viagem aconteceu há um mês, mas nunca é tarde para falar de bons momentos junto com amigos.

Minha primeira ida a Estocolmo aconteceu na páscoa desse ano, no começo da primavera. Saímos de lá com uma ótima impressão da cidade e com o desejo de voltar outra vez, só não esperávamos que voltaríamos tão rápido. O motivo desse retorno tão rápido é que um casal amigo nosso (Rodrigo e Renata) estava indo do Brasil para um congresso de medicina em Estocolmo. Como eles não teriam tempo de se ausentar da cidade, e como de Oslo pra lá precisamos apenas de um voo de 40 minutos, decidimos ir encontrá-los na Suécia. Além disso, Estocolmo também é a cidade em que mora outro casal de amigos brasileiros: Cintia e Flávio, com sua filha Beatriz. Combinação perfeita: cidade linda + viagem rápida + amigos brasileiros para reencontrar.

Estocolmo é a capital e maior cidade da Suécia. Ela é um pouco maior do que Oslo, tendo quase um milhão de habitantes. A geografia da cidade me encanta bastante: ela é composta por 14 ilhas e 53 pontes, numa região em que o lago Malaren encontra o mar Báltico. Muitos dizem que ela é a Veneza do Norte. Como boa Recifense, está explicado porque a geografia de Estocolmo me encanta tanto. Acho que sua beleza faz da cidade uma das mais visitadas da Escandinávia. Na primeira vez que fui a Estocolmo, saí de lá com a nítida sensação que acabava de conhecer uma das cidades mais lindas da Europa. As imagens abaixo mostram um pouco isso:




Além da geografia, acho que tem outra coisa que me fez ficar encantada com Estocolmo: seu clima cultural que exalta a diversidade. Na realidade, Oslo também é uma cidade que procura valorizar as diferenças, como a maioria das cidades Européias e, principalmente, as cidades da Escandinávia. Mas, não sei se pelo estilo mais alternativo e "cool" de Estocolmo, e também por ser uma cidade maior e mais movimentada do que Oslo, pude sentir um clima ainda maior de liberdade e respeito pelas diferenças. Lembro de estar na estação central e ver casais homoafetivos, crianças, idosos, todos juntos. Essa sensação de ver menos guetos ou lugares específicos para este ou aquele grupo reforçou minha crença de que um mundo com menos preconceito é possível e já existe em alguns cantos do mundo. 

Sem dúvida, a beleza geográfica e arquitetônica, misturada com esse clima de diversidade e liberdade, me deixaram bastante encantada pela cidade. Pra completar, as visitas ainda ocorreram cercadas de ótimas companhias. Nas duas vezes que fomos a Estocolmo, ficamos hospedados da casa de Cintia e Flávio, que já moram na Suécia há quase 3 anos. Eles moram numa região um pouco afastada do centro da cidade, numa casa cercada de belas paisagens. Em nossa primeira visita, tiramos um dia pra curtir a casa e o bom tempo da primavera, com direito a picanha e guaraná antártica.




A visita em abril também foi bem turística. Visitamos vários pontos da cidade, incluindo alguns museus imperdíveis, como o Vasa Museum http://vasamuseet.se/en/, o passeio de barco entre uma ilha e outra dentro da cidade e caminhadas pela ilha de Gamla Stan, que é a ilha onde fica a parte mais antiga da cidade. Sem dúvida, Estocolmo é uma cidade que vale muito a pena!

Na visita que aconteceu mês passado, o clima era outro, tanto em relação ao tempo como em relação ao estilo da viagem. Era outono, e pegamos um tempo bem friozinho, e também fomos no clima de curtir mais os amigos do que turistar pela cidade. Além disso, tivemos menos tempo do que da outra vez. Acho que essa segunda vez foi uma viagem com um estilo bem caseiro, com direito a massagem e corte de cabelo feitos pela nossa anfitriã, Cintia. Aqui na Europa, e principalmente na Escandinávia, esses serviços são muito caros, então as pessoas começam a desenvolver certas habilidades pra não ficarem tão dependentes de outras pessoas. O estilo self service aqui reina! E cintia fez um ótimo serviço :) Eu tentei aprender, mas acho que não levo muito jeito não...



Nessa viagem mais caseira, tivemos um ótimo dia de sol com a família em Vaxholm, uma ilha um pouco afastada do centro de Estocolmo. Mais uma vez a geografia da região me fascinou. E além dessa fascinação, me fascina cada vez mais como Cintia e Flávio estão integrados à cultura sueca. Cintia pra mim tem sido um exemplo de quem tenta mesclar o estilo brasileiro com o estilo europeu de uma maneira bem interessante. E acho que quem vem ganhando muito com isso é Beatriz, a filha do casal que nasceu na Suécia e tem um ano e meio. Quem quiser conhecer um pouco mais da Suécia e da experiência de ser mãe num país escandinavo fica a dica do blog de Cintia: http://www.cintiaanira.blogspot.com/ Ah, foi ela minha grande inspiradora na construção do meu blog :)

Algumas imagens de Vaxholm:







Outra coisa que Estocolmo tem de muito bom é a noite. E nesse ponto, a ilha de Sodermalm é a melhor opção. Lá é possível encontrar muitos bares, pubs e boates de diferentes estilos. Aproveitamos bem as saídas à noite nessa nossa última ida a Estocolmo com a companhia de Renata e Rodrigo, um casal de brasileiros amigos nossos que, assim como nós, adora uma farra. Na primeira noite, fomos ao Vapiano, um restaurante alemão de comida italiana. Léo conhecia esse restaurante do tempo que ele passou na Austrália e nos recomendou. Então fica a dica: se você for em uma cidade que tem o restaurante Vapiano não deixe de comer lá. Além de comida boa, o ambiente é sempre bem decorado e com um astral legal:



Na noite de sábado, a gente decidiu fazer um turismo etílico na ilha de sordemalm. A primeira parada foi no bar Bauer. Quem for visitar Estocolmo e gosta de uns drinks diferentes, não deixe de passar lá. O local tem um ambiente massa e umas bebidas bem exóticas. Vale a pena:



Depois, conhecemos uma balada no meio de um shopping e paramos num pub pra tomar uma cerveja:



Muitos devem pensar na praticidade (ou não) de ficar pulando de bar em bar. Bom, nesse caso, os bares eram todos na mesma rua. Além disso, essa é uma das grandes vantagens de frequentar cidades seguras: anda-se, pega-se metrô e ônibus a qualquer hora da madrugada. Essa sensação de liberdade é boa demais!

A despedida de Estocolmo foi em Gamla Stan, na ilha antiga da cidade. Tomamos um vinho de despedida e fomos correndo pra estação central. Decidimos fazer a viagem de volta pra Oslo de trem. A viagem dura 06h30min, mas vale a pena: as paisagens são bem bonitas e o percurso bem agradável:





Essas minhas duas idas a Estocolmo, e minha experiência de estar morando na Noruega, têm me feito ter certeza de uma coisa: os brasileiros precisam visitar mais a Escandinávia. De fato, a região da Escandinávia é mais cara e mais longe que o resto da Europa, mas quem tiver condições, vale a pena se organizar pra conhecer e desbravar essa parte tão fantástica da Europa. Além de cenário naturais e históricos lindíssimos, os escandinavos tem uma cultura que tem muito a nos ensinar. Espero ter novas travessuras em outras cidades e países em breve...

Ps: agradecimento especial a Cintia, Flávio e Beatriz que nos receberam com tanto carinho em Estocolmo. Estamos esperando vocês aqui em Oslo!

Tuesday, October 11, 2011

Do brinquedo...ao brincar.

O título do blog é bastante pertinente para o assunto desse post. Tem melhor exemplo de travessias e travessuras do que as crianças? No Brasil, dia 12 de outubro é o dia delas, e eu gostaria de trazer minha opinião e fazer algumas reflexões a respeito desse dia. E é inevitável temperar essa discussão com uma pitada de psicologia e da minha atual experiência cultural.

Ler, falar sobre e lidar com crianças e com suas famílias são ações que têm feito parte da minha vida pelo menos nos últimos 5 anos, quando eu decidi trabalhar com desenvolvimento infantil, seja com pesquisa ou com a prática da psicologia na escola. O universo infantil me fascina sob vários aspectos, mas principalmente pela ludicidade e espontaneidade tão característica da criança. Exatamente por isso, me interesso também em refletir sobre como a escola e a sociedade lidam (ajudando ou tolhendo) com o brincar, a imaginação e a criatividade infantil.  Acredito que a forma como concebemos a infância e o ideal de sociedade que queremos construir são alguns dos pilares fundamentais que norteiam (implícita ou explicitamente) a educação de base, seja ela a educação familiar, escolar, cultural (que inclui, entre outras coisas, valores e informações via recursos de comunicação de massa). Por tudo isso, acho que hoje, no dia das crianças, a pergunta que mais me vem à cabeça é: que valores e ideais estamos passando para nossas crianças? E essa pergunta não diz respeito apenas à ideia clichê e futurista sobre o que estamos fazendo com o futuro de nosso país. As crianças, embora passando por fortes mudanças desenvolvimentais, não são um vir-a-ser, um adulto em miniatura, elas são seres com capacidades, motivações, pensamentos e emoções atuais. Por isso, a pergunta não é prospectiva, ela é atual: o que estamos fazendo com as crianças hoje e que consequências nossas atitudes têm para suas vidas?

Um ponto inevitável nessa discussão é o consumo. Embora não venha sendo esse meu tema de pesquisa, o assunto vem ganhando espaço em áreas como a psicologia, a comunicação e o direito. O que mais me preocupa no dia das crianças é que, como a maioria das datas comemorativas no Brasil, elas passam sem uma reflexão. O dia da criança, como o dia dos namorados, o dia dos pais, o dia das mães, virou mais um dia comercial e de consumo em nosso calendário. Nossa preocupação central é comprar um presente. Pra mim, não existe problema em dar um presente em datas comemorativas. O problema é que o presente deixou de ser um símbolo, de ter um significado afetivo,  para se restringir ao concreto, ao real do presente. E quantos mais Reais ele valer, mas Real é seu valor. E parece que quanto mais real, menos simbólico e afetivo ele fica. O presente representa o que mesmo?

Se o lado afetivo é tantas vezes esquecido, o simbolismo e o imperativo do consumo salta aos olhos, aos ouvidso e ao bolso. Bombardeio de propagandas direcionadas ao público infantil, shoppings lotados: compras, compras, compras. Para comemorar o que mesmo? Ah, um parêntese, claro que isso diz respeito à classe média. Enquanto uns fazem compras, outros tentam dar uma desculpa pra seus filhos (muitas vezes cheios de culpa) por não terem dinheiro para comprar o brinquedo da moda. Será que essas crianças não tem o que comemorar? Nessa lógica consumista, que reduziu o dia da criança ao presente real, boa parte das crianças brasileiras não teria muito motivo pra comemoração.

Por sinal,  essa foi a informação que achei no wikipedia a respeito do dia das crianças:

"O dia 12 de outubro foi oficializado como Dia da Criança pelo presidente Arthur Bernardes, por meio do decreto nº 4867, de 5 de novembro de 1924. Mas somente em 1960, quando a Fábrica de Brinquedos Estrela fez uma promoção conjunta com a Johnson & Johnson para lançar a "Semana do Bebê Robusto" e aumentar suas vendas, é que a data passou a ser comemorada. A estratégia deu certo, pois desde então o dia das Crianças é comemorado com muitos presentes. Logo depois, outras empresas decidiram criar a Semana da Criança, para aumentar as vendas. No ano seguinte, os fabricantes de brinquedos decidiram escolher um único dia para a promoção e fizeram ressurgir o antigo decreto. A partir daí, o dia 12 de outubro se tornou uma data importante para o sector de brinquedos no Brasil".

Acho que a pergunta "o que comemoramos no dia das crianças?" está respondida: estratégia, vendas, setor de brinquedos. Quem comemora mesmo é o comércio.

Descobri que aqui na Noruega não existe dia das crianças. Quando eu perguntei para minha amiga Norueguesa, Marlene, a respeito disso, ela questionou curiosa: "como vocês comemoram esse dia?". Para mim, é triste dar essa resposta, mas a resposta mais coerente, pelo menos considerando a maioria dos brasileiros, é: elas ganham presentes. Por um lado é possível pensar na ideia da afetividade da cultura brasileira. Mas pensando que esse presente é muito mais material do que o símbolo de uma troca afetiva, e considerando como o dia da criança se originou, tenho uma tendência a achar que a ausência de um dia das crianças aqui na Noruega tem mais a ver com a lógica de uma cultura muito menos capitalista e consumista.

Onde eu quero chegar com todo esse discurso? Que, na minha opinião, o problema maior não é existir um dia das crianças. O problema central é em que transformamos esse dia. Se é dia da criança, que tal olharmos para suas necessidades e motivações? Acho que, dessa forma, o dia da criança seria mais simples, mais justo, mais afetivo, mais lúdico. A ludicidade não está na compra do brinquedo, mas na motivação para o brincar e na nossa disposição em sermos parceiros de nossas crianças. Se a nossa cultura instituiu um Dia da Criança, que possamos vivênciá-lo com um posicionamento mais crítico.

Minha amiga Mari Martins sugeriu que os pais pudessem levar seus filhos pra doar brinquedos: o valor do dar e doar acima do valor do comprar/receber. Achei a ideia ótima. Acrescento que os pais e a escola também podem olhar para o 12 de outubro como um dia de fato voltado às crianças e não ao mercado. E dessa forma, construir brinquedos é muito mais infantil e lúdico do que comprá-los, além de ser ecologicamente correto. Que tal juntar sucatas e construir brinquedos e jogos junto com as crianças que você conhece? Minha experiência de pesquisa tem mostrado que, independente da classe social, a motivação e a competência da criança pra imaginar, criar e cooperar é muito mais valiosa do que qualquer presente. Por que não comemorar o dia delas pensando de fato nelas: com mais criatividade, imaginação, interação e afeto? Assim, qualquer um, de qualquer classe social, raça, gênero, religião pode comemorar o dia das crianças. E que ele seja não só um, mas 365 dias de emocionantes travessias e lindas travessuras...

Deixo aqui minha homenagem e minha saudade à criança mais importante da minha vida: minha sobrinha e afilhada Giovana. Que a gente ainda tenha muitos momentos de ludicidade juntas. Esse é meu presente pra você!


Monday, October 3, 2011

Do individual....ao coletivo

O post de hoje será para compartilhar uma experiência cultural muito interessante que me ocorreu semana passada: eu vivenciei o meu primeiro dugnad. Segundo a tradução do google, a palavra norueguesa significa voluntário. Mas segundo nosso vizinho norueguês, o sentido da acão é de duty, que em inglês significa dever. Como uma coisa pode ser voluntária e obrigatória ao mesmo tempo? Acho que é um truque linguístico que diz muito da cultura norueguesa: muitas das obrigacões comunitárias aqui são tão internalizadas que são feitas mais pela consciência do que pela obrigatoriedade. Do mesmo modo, a consciência diante de algumas ações não legalmente obrigatórias torna algo voluntário quase como uma obrigação. Votar, por exemplo, não é obrigatório, mas a maioria dos cidadãos considera um dever.

Mas deixa eu explicar o que é o tal do dugnad. Léo leu um cartaz no nosso prédio que falava o dia em que iria acontecer o dugnad. Como eu ainda não entendo nada de norueguês, o cartaz não me chamou atenção, mas como ele já consegue entender alguma coisa da língua, me explicou que se tratava de um dia, que ocorre a cada 6 meses,  em que os moradores voluntariamente se reunem para limpar o prédio. Isso mesmo, significa que os moradores (homens, mulheres, adultos, criancas, idosos e gestantes) se reunem para limpar as escadas, as janelas, varrer a entrada, cuidar do jardim, dos bancos da área comum, guardar a churrasqueira (quando é comeco de verão, colocar a churrasqueira pra fora) etc.

Para os olhos da cultura brasileira, especialmente da classe média, a pergunta mais comum é: por que eles não pagam alguém pra fazer isso? De fato, serviços gerais aqui na Noruega são muito caros, fruto de um baixo nível de desigualdade social; mas a questão não era o dinheiro. Dividindo por todos os apartamentos, não iria sair nada pesado pra nenhum morador. Mas é aí que eu acho que é possível entender o sentido do duty na palavra dugnad: não se trata de uma ação voluntária como consequência de não se poder pagar pra alguém limpar o prédio, trata-se da responsabilidade de cada um de, coletivamente, dedicar um tempo para o cuidado com seu próprio ambiente e o ambiente dos outros. Não é uma lei que obriga! É uma consciência que impulsiona voluntariamente! É um voluntariado que os noruegueses sentem como obrigação.

Eu confesso que fiquei emocionada ao ver pessoas reunidas, em coletividade, pra limpar espaços comuns. Fiquei emocionada com as crianças limpando os bancos e pulando amarelinha ao mesmo tempo. Fiquei emocionada ao ver as pessoas reconhecerem um lugar comum como um lugar de todos e não como um lugar de ninguém. Fiquei emocionada ao ver as pessoas fazendo da faxina uma obrigação coletiva e não um trabalho escravocrata ou inferior, mesmo quando é pago. Fiquei feliz ao me ver junto com as outras pessoas se divertindo ao cuidar do que é nosso! Isso: primeira pessoa do plural. Coletividade.

Foi curioso - e muito interessante - ver uma outra concepção de faxina, de limpeza, de co-responsabilidade. É um trabalho cansativo, sim, mas não é um trabalho inferior. E eu, acho que ainda estranhando um pouco aquela situação, fiquei mais emocionada ainda quando escuto nosso vizinho dizer: "a gente curte muito esse dia, é um momento de ver os ideais que a gente acredita colocados em prática, e também uma oportunidade dos moradores do prédio se socializarem mais". Resumindo: é aquele dia em que você reforça que o mundo não gira só em torno do seu umbigo, nem das paredes da sua casa, e que é preciso ajudar uns aos outros pra manter as coisas em ordem.

E no final, tudo acabou em pizza e boas conversas. Com cada um fazendo sua parte e deixando as coisas no lugar depois da farra...